Noite sem fim
Noite sem fim:
o que trazes
Em toda sua majestosa treva,
silencio, solidão e amargura
para mim?
Noite sem fim:
Não há anjos, arcanjos, ou querubins.
Nem principados, duques, barões ou afins
Que em seus olhares além-dimensoes
fitem em mim
nesta outonal madrugada
o vento cortante perpassa
- a janela, a vidraça. -
acaricia minha pele
meus cabelos,
minha casca
Meus ossos doloridos,
as costas repousadas
na poltrona velha e negra
onde o felino repousava
tarde afora
e agora
eu me sento entre alfarrabios,
escritos e salmos
pensando o que traz
essa noite infernal
Tão silenciosa em suas dores
tão mundana e sem cores
Hoje
Meus olhos cansados
não há ironias, José,
só cansaço.
É uma noite sem fim.
Por não ter fim emenda.
Emenda com manhã, tarde,
sábado, domingo e quindim.
Noite sem fim:
quando rompi o ventre
não respirei,
não chorei,
sabia de mim.
II
Buscava cego a arca d'ouro
Era leite que vertia a cada encontro
eram pequenas mortes
a arca D'Ouro nunca aparecia.
Quem a trazia?
Cachinhos dourados,
A Deusa da destruição,
a Indiana,a bailarina ou
Maria, a mãe dos Eus?
Seria a ovelha, a mansa, a falsa de muitas faces?
Nenhuma trazia a arca,
só a promessa da entrega
do tesouro-mor.
Sigo cego, tateando,
buscando o caminho
a arca, o ouro.
III
Ela chegou tardiamente,
A Deusa do Egito me tocou, mas sem encostar.
Ela falou das Artes e encantos,
Um caco do meu coração,
precioso por restar tão pouco,
Silenciou-se.
Em minhas orações,
nenhuma Deusa me responde,
novamente.
V - O gigante me visita e eu quero que se vá
O gigante escritor me visita
suas palavras doces e fala letargica me irrita.
iterrompe a memoria que irriga.
Ele tem um sorriso mais falso que
minha felicidade em ter nascido.
Eu retribuo o mesmo gracejo,
ele não sabe,
mas meu sorriso é um solstício:
faz um segundo durar o eterno
abre portais para o além
realidades paradoxais
(é o sorriso mais longo,
-é anormal-
ainda assim tao curto
-e natural-.)
faz os musculos da face doerem
por esticar a contra gosto
labios e o rosto
por tão poucos milésimos de tempo.
E ele não sabe algumas coisas.
Sua biblioteca não faz inveja a ninguém;
seus espelhos,
(em uma casa feita de caixa de fosforos),
o distorcem:
o fortalece e estica.
na minha casa escondo os reflexos com
lençois, panos de chão e cortinas esfarrapadas,
(escondo dele a propria imagem )
Ilusionista de si mesmo
não sabe que é um anão
e que escreve tão mal
mas por sua fragilidade e psicopatia
ninguem sabe lhe dizer "não".
Acaba o tempo de visita,
ha uma vassoura atras da porta
simpatia de família.
Sai corredor afora,
mísero caminhar,
tão pequenino, frágil,
mirrado,
mas suas pernas levam o peso do mundo.
Atlas em miniatura,
meus dias são mais miseraveis que os teus.
E enquanto preocupa-te em envelhecer
massageando ego teu,
estou aguardando um rio.
Para brincar com os peixes que não pescarei
para molhar meus pés na lembrança de minha infância.
VI
Rio que aguardo
O Rio que espero
Não passa aqui no meu quintal
onde moro é uma torre
-de concreto,
neve
e sal-.
não há sequer quintal.
O rio que espero está nos fundos
daquela casa Angelical.
Turvo e fétido, desagua num canal
o rio que eu espero
passou há vinte anos
estavamos todos na vigilia da pesca
meu pai, meu avô, meu eu menino
O rio que espero me dá sede,
mesmo sujo.
É onde quero lavar meus pés.
É onde quero descer meu barco humilde
chegar no encontro, romantico, do canal com o Mar.
navegando no gozo dessa uniao das aguas.
Aguardo os peixes que vamos limpar
depois abrir e então fritar.
comprar rãs para acompanhar.
tomar refresco e brindar
caneco de cerveja, tang, e a carne a assar.
O rio que eu espero não verei mais.
Tudo se acabou,
Noite sem fim:
So há o Reino do Jamais:
Meu eu pequenino
meu avô
meu pai
meu estribilho.
Meu rio.
VII
As assombrações não vão embora (se agregam na memória).
Aqui, sem o Rio,
no calor ou no frio.
Aqui leio,
rabisco e lamento,
escrevo, apago, copio.
Minha personal Siberia
Minha cidade, minha prisão.
Tentativas de fuga, desde 1998,
verão.
Minha casa: solidão.
Quantos fantasmas me assombram
do vizinho ao porão.
Enquanto a matriarca enlouquece,
carrego peso e grilhão.
Os assombros povoam
sábados, domingos, noites,
e, ainda, todo vazio é multidão.
Com os fantasmas e a solidão.
Há mulheres, amigos, inimigos
amores e perigos.
Espectros que passam junto ao Rio.
Existe aqui um rio fantasma.
Eu molho meus pés
sua corrente é nervosa
é opaca
é memória.
é nada.
Não existe aqui mais um rio.
O Rio não terei mais.