quarta-feira, dezembro 27, 2023

I
Noite sem fim

Noite sem fim:
o que trazes
Em toda sua majestosa treva,
silencio, solidão e amargura
para mim?

Noite sem fim:
Não há anjos, arcanjos, ou querubins.
Nem principados, duques, barões ou afins
Que em seus olhares além-dimensoes
fitem em mim

nesta outonal madrugada
o vento cortante perpassa
- a janela, a vidraça. -
acaricia minha pele
meus cabelos,
minha casca

Meus ossos doloridos,
as costas repousadas
na poltrona velha e negra
onde o felino repousava
tarde afora
e agora
eu me sento entre alfarrabios,
escritos e salmos
pensando o que traz
essa noite infernal
Tão silenciosa em suas dores
tão mundana e sem cores

Hoje
Meus olhos cansados
não há ironias, José,
só cansaço.

É uma noite sem fim.
Por não ter fim emenda.
Emenda com manhã, tarde,
sábado, domingo e quindim.

Noite sem fim:
quando rompi o ventre
não respirei,
não chorei,
sabia de mim.

II

Buscava cego a arca d'ouro
Era leite que vertia a cada encontro
eram pequenas mortes
a arca D'Ouro nunca aparecia.
Quem a trazia?
Cachinhos dourados,
A Deusa da destruição,
a Indiana,a bailarina ou
Maria, a mãe dos Eus?
Seria a ovelha, a mansa, a falsa de muitas faces?
Nenhuma trazia a arca,
só a promessa da entrega
do tesouro-mor.
Sigo cego, tateando,
buscando o caminho
a arca, o ouro.


III
Ela chegou tardiamente, 
egípcia. 
A Deusa do Egito me tocou, mas sem encostar.
Ela falou das Artes e encantos, 
suavidades e sutilezas.
Experimentamos juntos
o sabor da Etiópia,
sem alarde.
Andamos flutuando 
em ruas de pedras,
Ela, com o olhar negro, hoje vejo: as trevas
As quais revelei minha alma,
que consumida por um buraco negro
esvaiu,
entreguei também uma pequena jóia
Um caco do meu coração,
precioso por restar tão pouco,
Mas como toda divindade,
Desvanesceu num toque de dedos,
Escarneceu de mim,
Silenciou-se.
Em minhas orações,
nenhuma Deusa me responde,
novamente.

IV
Acorrentado pelos grilhões da memória,
aguardo ansioso e em silencio,
que as preces sejam ouvidas no teu Panteão,
que desças teu avatar novamente,
toque de novo sem me encostar,
a melodia soe novamente,
em meus ouvidos surdos,
suave e doce, 
tua voz.



V - O gigante me visita e eu quero que se vá

O gigante escritor me visita
suas palavras doces e fala letargica me irrita.
iterrompe a memoria que irriga.
Ele tem um sorriso mais falso que
minha felicidade em ter nascido.
Eu retribuo o mesmo gracejo,
ele não sabe,
mas meu sorriso é um solstício:
faz um segundo durar o eterno
abre portais para o além
realidades paradoxais
(é o sorriso mais longo,
-é anormal-
ainda assim tao curto
-e natural-.)
faz os musculos da face doerem
por esticar a contra gosto
labios e o rosto
por tão poucos milésimos de tempo.
E ele não sabe algumas coisas.
Sua biblioteca não faz inveja a ninguém;
seus espelhos,
(em uma casa feita de caixa de fosforos),
o distorcem:
o fortalece e estica.
na minha casa escondo os reflexos com
lençois, panos de chão e cortinas esfarrapadas,
(escondo dele a propria imagem )
Ilusionista de si mesmo
não sabe que é um anão
e que escreve tão mal
mas por sua fragilidade e psicopatia
ninguem sabe lhe dizer "não".
Acaba o tempo de visita,
ha uma vassoura atras da porta
simpatia de família.
Sai corredor afora,
mísero caminhar,
tão pequenino, frágil,
mirrado,
mas suas pernas levam o peso do mundo.
Atlas em miniatura,
meus dias são mais miseraveis que os teus.
E enquanto preocupa-te em envelhecer
massageando ego teu,
estou aguardando um rio.
Para brincar com os peixes que não pescarei
para molhar meus pés na lembrança de minha infância.

VI
 Rio que aguardo

O Rio que espero
Não passa aqui no meu quintal
onde moro é uma torre
-de concreto,
neve
e sal-.
não há sequer quintal.
O rio que espero está nos fundos
daquela casa Angelical.
Turvo e fétido, desagua num canal
o rio que eu espero
passou há vinte anos
estavamos todos na vigilia da pesca
meu pai, meu avô, meu eu menino
O rio que espero me dá sede,
mesmo sujo.
É onde quero lavar meus pés.
É onde quero descer meu barco humilde
chegar no encontro, romantico, do canal com o Mar.
navegando no gozo dessa uniao das aguas.
Aguardo os peixes que vamos limpar
depois abrir e então fritar.
comprar rãs para acompanhar.
tomar refresco e brindar
 caneco de cerveja, tang, e a carne a assar.
O rio que eu espero não verei mais.
Tudo se acabou,
Noite sem fim:
So há o Reino do Jamais:
Meu eu pequenino
meu avô
meu pai
meu estribilho.
Meu rio.


VII
As assombrações não vão embora (se agregam na memória).

Aqui, sem o Rio,
no calor ou no frio.
Aqui leio,
rabisco e lamento,
escrevo, apago, copio.
Minha personal Siberia
Minha cidade, minha prisão.
Tentativas de fuga, desde 1998,
verão.
Minha casa: solidão.
Quantos fantasmas me assombram
do vizinho ao porão.
Enquanto a matriarca enlouquece,
carrego peso e grilhão.
Os assombros povoam
sábados, domingos, noites,
e, ainda, todo vazio é multidão.
Com os fantasmas e a solidão.
Há mulheres, amigos, inimigos
amores e perigos.
Espectros que passam junto ao Rio.
Existe aqui um rio fantasma.
Eu molho meus pés
 sua corrente é nervosa
é opaca
é memória.
é nada.
Não existe aqui mais um rio.
O Rio não terei mais.


sexta-feira, julho 08, 2011

Os Zumbis de Orzudfajie

Por Thiago Berzoini

E por falar em zumbis: percebi ao amanhecer que essa cidade é feita por eles, para eles. O povo adora um morto-vivo. E não adianta fugir. No ritmo de uma lentidão graciosa, eles te pegam. E aí não tem jeito: ou você vira um deles ou eles te descarnam.
E pode gritar porque a cidade é surda aos teus apelos, cega à tua beleza e muda aos teus ouvidos.
Eles vêm assim, caminham mancos, quase não aguentam ficar de pé.
O sangue que carregam é alheio, pois o de seu corpo secou há muito, se é que um dia houve algum.
Houve sim. Eram como eu, como você. Eram uma armada graciosa na luta contra outros seres assombrosos, mas foi há muito. Não lembro quais eram.
Mas hoje, encare bem eles e veja o vermelho que corre!
Da vida não lhes pertence mais, são rubro líquido viscoso daqueles outros jovens.
É fato, muitos nasceram cegos. Nem viram quem lhes aconchegava, quando percebiam já estavam sendo acolhidos pelos braços frios dos mortos!
Iludidos, nem corriam.
Alguns até corriam de encontro, felizes! Tornavam-se um deles sem sequer saber o que eram. Muitos jamais souberam.
Outros souberam. Enxergavam perfeitamente... outros não viam, mas o faro era apurado.
E o cheiro da podridão é inconfundível.
Mas se renderam.
Lutar é muito mais difícil... e sabem: a resistência é inútil.
E é doloroso... muito doloroso quando um amigo está entre eles.
Você sabe o valor que o outro tem, mas...e agora?
Agora ele é aquilo. Podre por dentro, podre por fora. Querendo teu sangue.
Os mortos-vivos estão ao seu redor, cerco feito! Porque afinal de contas andam em bando!
São lentos, e de tão vagarosos sozinhos são facilmente derrotados.
Por isso surgem em hordas.
E às seis da manhã de um dia frio, na varanda do quinto andar à espreita do por vir eu percebo a paz.
Durou poucos minutos apenas. Enquanto o vazio flertava com a esperança, mas sem conseguir trepar e dar a vida a um novo sabor.
Assim, a noite foi sumindo. Consumida por um céu violeta, nublado.
E pela rua, eles já vagavam.
A munição agora é escassa. Não dura muito...A resistência teve muitos, agora são tão poucos.
E já quase não tem fôlego... Mas lutam, como resistem!
E os zumbis fechando o cerco. Lá embaixo nas ruas frias.
Se me atacarem (vão atacar), que venham números incontáveis...
Que descarnem logo essa cabeça que te pensa, esse sorriso que te esfola.

terça-feira, janeiro 26, 2010

26-01-2010

A noite reinando
fria em silêncio.
O grito preso na garganta,
um olhar cansado,
sob as velhas-mesmas páginas
de um autor irlandês,
enquanto a meia luz da sala
embala,
a tosse seca
ecoando,
os cômodos
[vazios]
cheios de dor.

sexta-feira, agosto 29, 2008

In Technicolor

Por Thiago Berzoini

E que nenhum destino possível parece agora em technicolor com som estéreo; não há na grande sala escura um espectador aflito ansiando uma canção orquestral majestosa. Todos possíveis destinos parecem, agora, fantasmais. Pois nenhuma linha demonstra-se passível de desvio. Força vã: o fio do destino se mostra irretocável, irrevogável, inquestionável. Num dia de céu cinza e dublado, os olhos ainda meio grudados, o despertador com seu toque irritante. Corpo impulsionado a sair do conforto, cessar o barulho intermitente. É hora, então, de levantar. E no meio da tarde, já serás um eu de lembrança sofrida, doído - alma aos músculos -, palavras acústicas abafadas, um leve sabor de coentro. Dessa forma, alguns menos, outros mais, passam seus dias entre terras e um cais, num vaguear insosso, num alagar de olhos. O pior lugar é o não-aqui; de estar lá, só, em pensar: Não existir.

terça-feira, julho 29, 2008

O Sorriso de Nat King Cole na Avenida

Por Thiago Berzoini
Naquele ponto de ônibus, a noite vislumbrava, ainda, continuidade.
Alinhado, parou incomodado. Pessoas se esfregando, o esbarrão ocasional dos corpos se aproveitando da ocasião, o suor misturado com o perfume da sexualidade desglamourizada do fim de tarde, na parte baixa da cidade.
Ele, incomodado.
Gente feia. Perfume barato.
Olhar angustiado.
Sem porquê.
Duas pérolas de pureza, peles negras, arrancam breve sorriso do homem de olhar cansado.
Preocupado sorri pouco.
A vida anda promissoramente tacanha, móe a fé.
Aquelas crianças, de roupas puídas -ele com um casaquinho azul-pelúcia encardido, ela com duas chiquinhas mal feitas, cabelos crespados mal cuidados, jaqueta rosa rasgada na manga - ainda não viram o esmaecer do farol (mesmo que já apagado) - (des) saber triunfal da infância.
Em meio à tanto vazio, mesquinharia brinde do cotidiano, sorriam felizes,elas, entre si. Encostavam lábios pequenos e alegres em suas sujas palmas das mãos, respectivas, e sopravam olhando, admiradas, para cima: outdoor reinando sob suas alturas infímas.
Sorrisos breves. Gargalhadas embaladas pelo cheiro do churrasquinho da esquina.
Eram beijos enviados com um sopro leve, infante, para Nat King Cole. Ele, numa foto antiga e pouco tratada, gigantesco até para os crescidos.
Anúncio de um musical sobre sua vida, no teatro mais nobre da cidade - informação essa que aquelas crianças encantadas desconheciam.
Perguntava-se - observando a cena, quase chegou a marear os olhos secos - se Nat Kin Cole os lembrava o pai, tio ou avô. Certamente, não conheciam o músico, mas era de alguma forma, carismático o suficiente para merecer o curioso carinho despertado nos, deduzia ele, irmãos. Arrepiou-se ao ver a cena. Perdeu-se (quase) do incomodo da lotação (estúpida) do fim da tarde naquele ponto de ônibus.
No meio daqueles, era só um. Gostava disso, em parte, embora nunca admitisse.
Sua condução tardia estacionando (enfim).
Olhou Nat King Cole no seu outdoor: solitário, sorriso (triste) - (triste) talvez da felicidade do sucesso. Sabia que a "fama" era um gozo doído, cria, naquele sorriso Cole também sentia-se assim. Cismava com o sorriso de Cole. Sincero, ainda assim, forçado. Talvez o foco fossem os olhos mas poesia mesmo era sorriso, decidiu que era assim, e foi. Já vira a foto, no Outdoor percebia-se mais triste.
Antes de subir no ônibus, de chofre olhou pros pequeninos.
Sentados, a mãe até então figurante imperceptível na cena, agora abaixada abrindo um pacote de biscoitos recheados. Na mão da menina, meio biscoito com recheio ao ar livre.
Tumulto, roleta.
Bancos ocupados. Claustrofobia.
Silêncio.
Celular, - (distante) monofônico Mozart-, "Alô, tô indo...".
Suor. Sinal vermelho.
Ninguém espera.
Longa avenida.

terça-feira, junho 17, 2008

Sistema Límbico das Cidades

Por Thiago Berzoini
Cansado de tanto aborrecimento, partiu. Em oito meses voltou. Não encontrou lá coisa fantástica, era a mesma bagaça com nova carcaça. Chega de ar puro e tom monótono das tardes de sábado. Com sol era até agradável mas em dia de chuva, lamentável. Feio e triste, como todo sábado choroso. Cidade grande chora raivosa. As pequenas dão pena, sente-se melancolia das ruas de pedra. As grandes metrópoles choram com rancor, são violentas em tudo, até nas emoções. Agridem até mesmo sem perceber que ferem os transeuntes. Eram, então, um só, grandes pedaços de concreto, sem muita ligação com os (s)eus. Nas pequerruchas cidades, o choro dói. Nubla o céu e vem sempre uma tristeza, e não tem ira naquela mágoa, é apenas assim: cristalina. Parecem ser um com os (s)eus. Não se adaptou a tamanha intimidade, incomodava a sujeira do pequeno, lamaçal que se fazia um atolar de pés. Gostava mesmo é do vento nos prédios, marquises, assovios por entre janelas de alumínio. As placas luminosas gangorreando às lágrimas, e o mais adorável: molhava asfalto, negror ímpar nas ruas vazias e enfim, limpas... Entre pedras e asfalto, assistia poesia nas pedras; no asfalto as vistas se ralavam aflitas.

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Tardes.

Por Thiago Berzoini

Calou-se, estupefato. Tomou sem glamour a xícara de café, enquanto a tarde cinzenta esfriava as faces. Olhava, perdido, mareando o globo.
Chorava, a cidade, uma chuva fina.
Um coração medíocre, mais morno que ontem, que nem o café esquentava, batia vulgarmente.
Tum.Tum.Tum.Tum. Batida seca, não parecia véspera de carnaval.
Alheias faces, sorrisos mantidos, dentes brancos ao redor e além.
A fumaça de um cigarro, cortina tímida mesa à frente.
Um conhecido a passos largos. Nem vê...quase. Sorriso forçado de lá e cá, finda em segundos.
São lábios sérios molhados em cafeína.
Burburinho contínuo, famílias, amigos, amores, crianças, jovens, idosos.
Ele.
(pensava:)
Em algum lugar: ela - que nem visitava mais.
Os dias.
Dias sim, dias não, a chuva costumeira.
A mesma mesa, o mesmo olhar: perdido.
O samba (no copo descartável).
O café, o desgosto e a mesma batida seca.
Nem parecia carnaval.